terça-feira, 19 de agosto de 2008

Nova Lei de Imprensa divide debatedores

da Folha de S.Paulo

A ameaça à liberdade de expressão, representada pela atual Lei de Imprensa --mas também pela legislação eleitoral em vigor--, foi tema de debate no primeiro dia do 7º Congresso Brasileiro de Jornais, promovido pela ANJ (Associação Nacional de Jornais).

Unânimes sobre o obsoletismo da atual legislação para a imprensa, feita em 1967, no regime militar, advogados, políticos, jornalistas e representantes de veículos de comunicação divergiram na hora de oferecer caminhos. Alguns sustentam que há necessidade de uma nova lei para regular o trabalho da imprensa; outros defendem que a ausência de legislação específica é a melhor solução.

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), autor da ação que levou o STF (Supremo Tribunal Federal) a congelar 20 artigos da Lei de Imprensa neste ano, defende a ausência total de uma legislação específica para a área. Ele fez um histórico das constituições brasileiras desde o século 19, comparando liberdades e cerceamentos à imprensa. "Estamos enfrentando uma cultura. Qualquer lei que saia do Congresso Nacional ou com origem na Presidência da República será como as anteriores, não virá em favor da população, não virá em favor do direito à informação", disse.

Em fevereiro, a atual Lei de Imprensa, sancionada em 1967, foi suspensa em parte pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sob o argumento preliminar de que ela contém dispositivos claramente antidemocráticos.

O debate, mediado por Paulo Tonet Camargo, diretor-geral do Grupo RBS em Brasília e diretor do Comitê de Relações Governamentais da ANJ, teve a participação de Ricardo Gandour, diretor de Conteúdo do jornal "O Estado de S. Paulo" e diretor do Comitê de Relações Internacionais da ANJ. Ele ressaltou a importância da decisão do STF de cancelar parte da atual Lei de Imprensa. Gandour também defendeu uma regulamentação mínima para a imprensa. "É um atalho tentador achar que tudo se resolve com mais controle."

Em discurso, Nelson Sirotsky, presidente da ANJ nos últimos quatro anos e diretor-presidente do Grupo RBS, afirmou que a liberdade de imprensa "tem sido constantemente violada por decisões judiciais, fruto de interpretações equivocadas da legislação ou até mesmo pela falta dela". Ele defendeu que a situação atual "exige" uma legislação na área.

O advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira disse que a legislação eleitoral é "a maior restrição que a imprensa enfrenta na atualidade". Ele criticou a interpretação de que jornais e revistas não podem opinar, na internet, sobre candidatos. "É um retrocesso. O período eleitoral é aquele de maior expressão democrática, e essa legislação traz aos jornais restrições severas e graves."

Manuel Alceu leu uma carta enviada pelo ex-ministro da Justiça Saulo Ramos, que foi convidado para participar do debate, mas não compareceu por motivos de saúde. No texto, Saulo defendeu uma nova Lei de Imprensa que não acolhesse sanções criminais para delitos de opinião. "Jornalistas não constituem ameaça à convivência social", escreveu o ex-ministro, defendendo apenas punições civis, não criminais. Segundo ele, indenizações milionárias e indevidas são algumas das "inconveniências de não haver Lei de Imprensa".

Em editorial de 30 de março, a Folha defendeu uma nova Lei de Imprensa, ampla e atualizada, que avalie a atividade jornalística de maneira mais específica do que fazem os códigos Civil e Penal.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Gilmar Mendes, uma palestra para Sartre (Pedro do Coutto - Tribuna da Imprensa)

Em palestra feita segunda-feira em uma faculdade de São Paulo - matéria de Ricardo Galhardo, "O Globo" de 12/08 -, o ministro Gilmar Mendes colocou mal a questão da liberdade de imprensa e afirmou que, muitas vezes, a aplicação dos direitos fundamentais se dá contra a opinião pública. "O estado constitucional - afirmou impropriamente - é por definição contramajoritário".

Além disso, o presidente do Supremo Tribunal Federal defendeu a tese de que o STF tem por obrigação difundir a pedagogia dos direitos fundamentais, mesmo que signifique a liberdade de supostos criminosos. Isso está no texto publicado. Ainda por cima, além das palavras anteriores, admitiu a possibilidade de restrição à informação. É possível, em alguns casos - acrescentou -, haver limitação à liberdade de imprensa. Citou como exemplo um caso ocorrido na Alemanha, não se referindo à Constituição brasileira. Mas a Alemanha possui talvez uma legislação diferente da nossa.

Qual terá sido o impulso psicológico que norteou o pensamento do ministro Gilmar Mendes, levando-o a admitir o que a Constituição do Brasil não permite? Pode-se ter a impressão que o presidente da Corte Suprema inspirou-se em frase famosa de Sartre, que, num os momentos da peça "Huis Clos", afirma que o inferno são os outros. A peça foi exibida no Brasil em 1956. O título em português foi "Entre quatro paredes".

Jean Paul Sartre recorreu inclusive a uma expressão jurídica francesa usada quando o juiz determina sigilo para os julgamentos. Entretanto, o autor da idéia existencialista, alguém politicamente atuante, atuante e mutante, morreu sem completar a segunda parte da expressão. Esqueceu que, se o inferno são os outros, o céu também. Ou seja: ninguém vive sem os outros. Sem os outros, não haveria arte, por exemplo.

Os outros, como todas as sociedades civilizadas, são regidos por leis que representam no fundo, na definição do filósofo Hegel, que nasceu em Stutgart em 1770 e morreu em Berlim em 1831, a conciliação dos contrários. Se não houvesse contrários, não haveria, portanto, necessidade de leis. Gilmar Mendes omitiu de seu raciocínio o item 9 do artigo 5º da Constituição Federal. Diz textualmente o seguinte: "É livre a expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

No mesmo artigo está escrito que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano moral. Assim, se existe assegurada a liberdade de manifestação, esta pode proporcionar o direito de resposta. Se fosse tolhida, não poderia haver o instituto da resposta, já que esta - claro - é uma conseqüência daquela.

Compreende-se que o ministro esteja revoltado com as críticas que recebeu pelos habeas corpus concedidos ao controvertido Daniel Dantas, tão controvertido que está sendo processado seguidamente por remessa ilegal de divisas para o exterior e sonegação fiscal. São muitos os processos. Ele não os explica, tampouco deles se defende. Escolheu o silêncio permanente, uma defesa na verdade subumana, já que a vida é palavra, é movimento. A imprensa, por isso, exerce o seu direito (social) de cobrar esclarecimentos.

As acusações são graves. Prisões preventivas ou temporárias são decretadas e reformadas. Mas fica a sombra de seu reflexo sobre a opinião pública. É um direito fundamental obter-se explicações dos poderes constituídos, um deles o Judiciário. Difícil a todos nós entender como ações comuns arrastam-se por 15 ou 20 anos e habeas corpus são concedidos em dois dias. Não quero dizer com isso que os habeas corpus não tenham razão de ser. Desejo acentuar que a compreensão popular em torno do contraste torna-se difícil. A enorme maioria da população do País não é formada por juristas. Daí vem uma sensação de angústia.

Sobretudo porque direitos fundamentais não são apenas para garantir a liberdade dos acusados, mas para assegurar a existência de todos. Na cidade do Rio de Janeiro, não há liberdade de ir e vir. Isso de um lado. De outro, a opinião pública não consegue entender como um assassino hediondo como o jornalista Pimenta Neves consegue obter um habeas corpus para recorrer em liberdade contra a sentença que o condenou a 19 anos de prisão e não consegue a mesma faculdade um ladrão que, na cidade de Fortaleza, tentou arrebatar um cordão do próprio ministro Gilmar Mendes.

Difícil. A sociedade tampouco entende como um homem como Maluf, na conta de quem foram depositados 442 milhões de dólares no Citibank da Ilha Jersey, permanece livre até exercendo o mandato de deputado federal. Como o ex-fiscal Silveirinha e seus companheiros permanecem em liberdade apesar de condenados, apesar de possuírem 34 milhões de dólares em bancos suíços.

Inclusive, há poucos dias, esta TRIBUNA DA IMPRENSA publicou que a Justiça suíça dirigiu-se à chancelaria brasileira procurando saber como será possível repatriar o produto das comissões ilegais que proporcionaram tal montante. Ainda não houve resposta. Há uma série de outros réus condenados, mas gozando de liberdade porque conseguiram habeas corpus até esgotarem o último recurso judicial. Como não há prazo legal para a decisão derradeira, eles vão em frente. E "La nave va", como no flime de fellini.

Mas enquanto a nave vai para um lado, os que vivem do trabalho honesto no Brasil vão para outro. O da perplexidade. Observam, com desencanto, que os acusados de crimes, na realidade, saem-se melhor do que os que não são acusados de nada. Será que somos os outros de que falou Sartre? Os criminosos no céu e os honestos no inferno?